VI
Stockholmo, 30 de novembro
de 1898
(pgs 82-83)
Ora, os animaes são apenas essas fórmas. São as pedras angulares do
futuro edificio humano. Não teem a vida integral e consciente do todo, visto
serem uma parte desse todo.
Representam a fórma tangível de uma paixão, de uma idéa, de um
sentimento, de uma affeição ou mesmo de uma persuasão, a que elles correspondem: pela sua ferocidade ou
mansidão, pela sua ligeireza ou inercia, pela sua manha ou lealdade, ou pela
sua fórma, quer elevando-se aos ares como os arrojados pensamentos, quer
solapando, escondidos no chão, como a hypocrisia e a mentira; já vivendo nas
trevas das cavernas, já suspendendo os seus ninhos entre as flôres. Uns
procuram a luz, como a intelligencia; outros as trevas, como a ignorancia.
No animal não existe a unidade perfeita, elle é um submultiplo, é uma
divisão, e o que é dividido não póde subsistir por si próprio.
A subsistencia, sendo uma perpetua existência, só póde existir sendo
integral e completa. O animal, por representar uma simples fórma de um
sentimento ou de uma affeição, não póde ser eterno, mesmo porque as affeições e
os sentimentos são creação da vontade esclarecida pelo entendimento humano,
cuja acção se modifica á proporção que o homem se vai regenerando ou
pervertendo, conforme a Liberdade que
Deus lhe deu, como reflexo do Sêr unico, Infinito e Eterno, que é o próprio
Creador.
Uma idéa ou affeição não póde viver por si só, mas apenas da vida
transitoria que lhe empresta a vontade e o entendimento que lhe deu origem.
Como é possível, pois, que, sendo os animaes apenas as fórmas materiaes
dessas idéas ou dessas affeições, possam ter alma immortal como o Sêr
synthetico, que lhes deu a razão de ser da sua existência?
Si admittirmos, pois, que os animaes são as fórmas representativas das paixões, dos sentimentos e dos
pensamentos humanos, vemos a analogia confirmar luminosamente esta affirmativa
tão estranha e paradoxal para quem nella nunca meditou.